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«El primogenito de la agudeza»: os epigramas de Marcial na literatura espanhola do século XVII
«El primogenito de la agudeza»: Martial’s Epigrams in the XVIIth century Spanish Literature

Hipogrifo. Revista de literatura y cultura del Siglo de Oro, vol. 8, núm. 1,

Instituto de Estudios Auriseculares

Gustavo Luiz Nunes Borghi

Universidade de São Paulo Departamento de Letras Modernas BRASIL, Brasil

Recepção: 25 Julho 2019

Aprovação: 22 Outubro 2019

Resumo: Neste artigo procuramos investigar a presença do poeta romano Marcial na literatura espanhola do século XVII. Escolhemos, como objeto de análise, os dois tratados escritos pelo jesuíta espanhol Baltasar Gracián, a Arte de ingenio, tratado de la agudeza (1642) e a Agudeza y arte de ingenio (1648). Em ambos, os epigramas de Marcial são amplamente citados como exemplos de agudezas e o poeta romano é considerado, pelo jesuíta espanhol, como primeiro grande empregador da figura. Dessa forma, ao analisarmos a presença de Marcial nos tratados de Gracián, buscamos compreender o caminho percorrido pelos livros de Epigramas e seu emprego no século XVII espanhol.

Palavras-chave: Gracián, Marcial, Agudeza, Epigramas, Recepção.

Abstract: In the present paper, we seek to investigate the presence of the roman poet Martial in the Spanish literature of the XVII century. We chose for the object of analysis the two treatises written by the Spanish Jesuit Baltasar Gracián: Arte de ingenio, tratado de la agudeza (1642) and Agudeza y arte de ingenio (1648). In both, the Martial’s epigrams are widely referred as examples of wits and the roman poet is considered, by the Spanish Jesuit, as the first great wit poet. Therefore, in analyzing the presence of Martial in Gracian’s treatises, we seek to understand the path covered by the Epigrams and his uses in the XVII century in Spain.

Keywords: Gracián, Martial, Wit, Epigrams, Reception.

1. Introdução

Em uma passagem do Discurso V da Agudeza y arte de ingenio (1648), escrita pelo jesuíta Baltasar Gracián, vemos uma distinta citação do poeta romano Valério Marcial: «No se contendo con la dissonancia, sino que añandió, con una extremada alusión muchos realces, el primogenito de la agudeza, Marcial» 1 . Nela, o espanhol atribui o título de «primogênito da agudeza» ao poeta romano Valério Marcial, epigramatista do século I d. C.

Desde Aristóteles, os letrados, ao escreverem as preceptivas retórico-poéticas, utilizam passagens de poetas e oradores conhecidos em seu tempo. No caso de Baltasar Gracián, autor de duas preceptivas da agudeza, a Arte de ingenio, tratado de la agudeza (1642) e a Agudeza y arte de ingenio (1648), vemos um alto número de citações: Sagrario López Poza 2 reconhece 71 citações de epigramas integrais latinos, além de outros 50 traduzidos e adaptados para os versos castelhanos; no total, a pesquisadora reconheceu, nos tratados do jesuíta espanhol, cerca de 121 referências, diretas e indiretas, aos epigramas antigos, especialmente os de Valério Marcial. Do poeta romano, encontramos, para fins deste artigo, cerca de 30 citações de epigramas no tratado de 1642; além das preceptivas, há um número razoável de passagens em que o letrado faz uma referência ao poeta romano.

Como podemos reconhecer no discurso transcrito, Marcial recebe do jesuíta espanhol o epíteto de «primogênito da agudeza», em alusão às estruturas de seus epigramas. Conforme sabemos, há aqui uma questão de ordem prática a ser colocada: dado que não há um tratado de agudeza antigo —e nem poderia, visto que o procedimento retórico-poético é assim denominado na transição dos séculos XVI e XVII, como nos aponta João Adolfo Hansen 3 — a atribuição do título de primeiro utilizador ao poeta latino se mostra um “equívoco” ou “imprecisão” de Baltasar Gracián. Entretanto, devemos reconhecer que o letrado espanhol não dispunha das ferramentas modernas dos estudos clássicos e da filologia antiga; ao contrário, ao ler o poeta romano, o jesuíta reconheceu nele um procedimento comum nas práticas letradas de seu tempo.

Nosso artigo tem, como objetivo central, compreender a presença dos epigramas de Marcial na literatura espanhola do século XVII, tendo como objeto de estudo e análise as preceptivas do jesuíta Baltasar Gracián. Quando nos referimos à «presença» de Marcial, entendemos que o emprego constante dos epigramas do poeta romano não revela um “gosto particular” ou “predileção” 4 do jesuíta, dado que tais concepções são posteriores ao século em questão; ao contrário, evidenciam a compreensão dos textos latinos pelos letrados espanhóis. Segundo Roger Chartier 5 , o estudo dos textos anteriores ao movimento romântico deve levar em conta três etapas do ato de leitura: as estruturas dos textos, o suporte em que foram escritos e a recepção do leitor. Por estruturas, podemos compreender que os textos, como os epigramas de Marcial, não são escritos segundo a própria “criatividade” ou “imaginação” do letrado, mas sim segundo preceitos poéticos e retóricos que ordenam a representação de acordo com seu fim específico; por suporte, entendemos como os epigramas foram transmitidos no transcorrer dos séculos até o letrado espanhol, se em livro, se em pergaminho, compilado em uma única edição ou em livros separados; por fim, por recepção, compreendemos como a leitura dos epigramas geram novos sentidos e representações.

Nesse sentido, a partir das três etapas propostas por Chartier, dividimos o artigo em três partes: num primeiro momento, discorreremos sobre o gênero do epigrama, a produção de Marcial e a divisão dos livros; em seguida, levantaremos o percurso da obra do poeta romano da antiguidade à Espanha dos séculos XVI e XVII; por fim, analisaremos as citações de Marcial nos tratados de Baltasar Gracián, reconhecendo o emprego dos epigramas pelo jesuíta espanhol.

2. M arcial e o epigrama antigo

Quando nos debruçamos sobre o epigrama antigo, reconhecemos algumas questões iniciais: num primeiro momento, podemos afirmar que o gênero não apresentou nenhuma sistematização antiga, nem comentários dos livros e conjuntos das obras. De fato, como aponta Mário Citroni 6 , o gênero foi considerado pelos antigos como marginal e secundário, se comparado à épica ou ao teatro, amplamente comentados 7 . Robson Cesila 8 afirma que o gênero se origina na Grécia Arcaica, a partir de inscrições sobre determinados objetos. De fato, o termo epigramma é uma transliteração do epígramma grego, significando ‘inscriçãoʼ. O pesquisador salienta que a origem etimológica do termo é gravar sobre, dado que epí significa ‘em cima de’ ou ‘sobre’ e gramma significa ‘gravar’, ‘inscrever’. Mario Citroni 9 ressalta que os primeiros exemplares do gênero seriam inscrições feitas sobre objetos específicos, seja em madeira, pedra ou outro suporte. Nesse sentido, Robson Cesila afirma:

Assim, os primeiros epigramas eram indissociáveis de seu suporte material e, por seu caráter pragmático, tinham um estilo um tanto impessoal e uma linguagem mais objetiva, sem maiores pretensões poéticas, mesmo quando compostos em versos 10 .

O caráter pragmático do gênero, em sua origem, também é pontuado por Citroni 11 , ao afirmar que o epigrama é o único gênero que nasce já com uma finalidade imediata e específica «Epigram is the only ancient poetic genre which is posited, in its name and effective original function, as inherently “written”» 12 . Além disso, o pesquisador levanta, como hipótese para a compreensão da história do gênero, que por ser originalmente escrito, o epigrama esteve às margens das práticas artísticas gregas antigas, essencialmente orais e simposiásticas. Robson Cesila assinala que a origem do gênero nos ajuda a reconhecer uma de suas principais marcas constitutivas: a brevidade e a concisão; Citroni, por sua vez, assinala que, segundo os registros antigos, eram poucos os que ultrapassavam mais de quatro versos, tendo em vista o espaço e os materiais de escrita. Já na transição dos séculos V-IV a. C., o pesquisador reconhece que há uma ampliação nos usos do gênero: de inscrições de objetos e lápides, os pequenos textos passam a representar acontecimentos passados e vidas ilustres, como militares, oradores, poetas e políticos: «The spread of poetic epigraphs associated with important events or figures» 13 . O pesquisador cita uma antologia produzida no período, os Epigramas Áticos, e o emprego de diversos epigramas em outras obras, como a obra de Heródoto 14 . Robson Cesila aponta as guerras Médicas como um marco importante para a história do gênero, dado que os pequenos poemas serão escritos em homenagem aos soldados mortos e triunfantes em batalhas.

A primeira e significativa mudança do gênero ocorre, de fato, na transição dos séculos IV-III a. C., no período helenístico; segundo os pesquisadores citados, o epigrama passa a fazer fronteira com os demais gêneros poéticos, deixando de lado o suporte e seus temas usuais —o suporte, seja ele a madeira ou a pedra, e os temas, sejam eles os lamentos fúnebres ou as descrições dos objetos. Os epigramas passam a representar uma pluralidade de temas, como pontua Cesila:

Passou, então, a abarcar uma gama maior de temas, de forma que vieram se somar, aos mais tradicionais epigramas votivos e sepulcrais, aqueles de temática convivial, erótica, satírico-jocosa, os filosóficos-exortativos, os destinados à felicitação de amigos e patronos por um aniversário, casamento, restabelecimento de saúde, retorno de uma viagem, os que descreviam objetos (como obras de arte) etc. 15

Além dos temas, o epigrama passa a compartilhar procedimentos elocutivos, poéticos e retóricos dos demais gêneros com quem compartilha limites e fronteiras, como a poesia lírica e a épica 16 ; segundo Citroni, nota-se a preocupação com o metro, com a escolha do léxico, com o emprego das palavras e com os efeitos gerados pelo epigrama. Vale destacar, nesse sentido, que as fronteiras entre os gêneros antigos não parecem tão estanques e claras como os manuais de literatura sugerem; ao contrário, o epigrama é um claro caso que, dada a ausência de sistematização antiga, sofre constantes mudanças, tomando de outros gêneros, metros e estruturas. Além de ser, para nós, uma clara referência aos procedimentos da poikilia —procedimento poético, amplamente desenvolvido no período helenístico, em que um gênero agrupa características de outro— indica-nos que a noção de epigrama, tomada por Gracián no século XVII e seus contemporâneos, muito difere da prática antiga. Pois bem, desenvolveremos a questão mais adiante.

Cesila também pontua que, no período helenístico, foram organizados os primeiros livros de epigramas antigos, sob a forma de coletâneas: Meléagro é o primeiro, ao publicar aGuirlanda, por volta do século I a. C. Nessa primeira coletânea, segundo o pesquisador, o letrado grego tomou, como critério de escolha, o metro elegíaco e a brevidade dos textos, duas características comuns do epigrama da época, e que sua escolha, segundo o pesquisador: «contribuiu para a consolidação e a afirmação definitiva desses dois traços do gênero epigramático» 17 . De fato, o autor 18 destaca que essas duas categorias, a brevidade e o metro elegíaco, marcam a maior parte da produção epigramática antiga, embora não sejam estanques e categóricas; o próprio Marcial, nos dez livros que compõem sua obra epigramática, adota uma diversidade de metros e de extensões, variando livro a livro.

No período romano, segundo Citroni, o gênero continua a passar por diversas transformações, agrupando mais metros e temas, ligados à realidade e ao contexto social. Dos epigramatistas latinos, o pesquisador dá destaque a Catulo e Marcial, poeta citado por Gracián. Como exemplo, o pesquisador lista uma série de cartas de Plínio 19 , o jovem, em que são mencionados os epigramas, como a epístola 4.14 20 :

You expect and demand, perhaps, as usual, an oration; but I am going to put into your hands, as if they were some choice bits of foreign merchandise, some of my poetical amusements. You will receive then with this letter a collection of my hendecasyllabic verses, which I write to while away an idle hour upon the road, in the bath, or at table. They express different moods — jesting, frivolous, amorous, melancholy, plaintive, or irate; or give descriptions, in a style sometimes concise, and sometimes lofty. I endeavored by this variety to hit different tastes with different pieces, and provide a few, perhaps, of general relish. If you should meet with any passages which may seem too free, your reading will supply you with my apology, in the example of those great and venerable names who have gone before me in the same kind of writing, who without scruple have employed not only the warmest descriptions, but the plainest terms. This, however, is a liberty I have not allowed myself; not as pretending to more austerity (for why should I?) but because, in truth, I have less courage 21 .

Conforme nos indica o estudioso, no início da epístola, Plínio afirma que enviará seus versos, chamando-os de hendecassílabos, ao contrário do que era esperado pelo destinatário. Os versos, como aponta o legislador romano, foram escritos em momentos de aparente ócio, e suscitarão diversos efeitos em Paterno; além disso, nota-se que os epigramas enviados não serão apenas afetivos, mas também descritivos, em variadas extensões. De fato, como observa Citroni, ao lermos a segunda parte da epístola 4.14 de Plínio, veremos que ela sugere a Paternus que chame os versos transcritos de epigrama, mas também de Idílios, Éclogas e pequenos poemas: «Call them, if you think proper, Epigrams, Iddylls, Ecloges (as many others have), Little Poems; in a word, give them what name you please, I offer them only as Hendecasyllables» 22 .

No que diz respeito ao epigrama latino, o pesquisador nota a consolidação dos temas, metros e estruturas da tradição helenística: «The Greek and Latin epigrammatic tradition had gradually […] accentuanting the expressive efficacy of the short form» 23 ; nesse sentido, também reconhece a presença de técnicas retóricas na composição dos pequenos poemas, principalmente nos últimos versos: «This tendency ended up combining with post-Ciceronian rhetoric’s taste for incisive sententiae at the end of the argumentative section» 24 . O pesquisador levanta uma hipótese de leitura dos epigramas latinos que nos parece interessante para nós: a possibilidade de ler o epigrama não só como uma “inscrição” ou um “texto breve”, mas como uma subespécie lírica, escrita a partir de preceitos e noções retórico-poéticas.

3. Marcial na península ibérica e na espanha

Ao contrário de outros letrados latinos, os epigramas de Marcial não foram transmitidos de forma uniforme por todo o continente europeu. Juan Gil levanta uma advertência importante, quando pensamos no epigrama antigo e suas imitações nos séculos seguintes: se, por um lado, os livros de Marcial não foram copiados na Península Ibérica, escopo de seu trabalho, o gênero foi amplamente praticado pelos letrados dos séculos posteriores ao fim de Roma. Martin Irvine e David Thomson, ao debruçarem-se sobre o sistema de ensino dos séculos VIII-X d. C., reconhecem a presença do gênero do epigrama no curriculum de gramática. O epigramatista encontrado pelos pesquisadores não é Marcial, mas sim Próspero da Aquitânia, discípulo de Agostinho e letrado cristão do final da antiguidade: «London, British Library, MS Add. 10093 (fourteenth century) contains the Disticha Catonis, an anonymous grammatical text, Prosper’s Epigrams» 25 .

O registro dos epigramas na Península, para Juan Gil, começa já no final do século VII d. C, tendo como exemplo os versos de Isidoro de Sevilha que, apesar de ter uma obra de etimologias, também compôs uma série de epigramas em língua latina: «Desde A. Ries elos filólogos han reconocido imitaciones de Marcial en los epigramas que compuso San Isidoro para la Biblioteca de Iglesia hispalense» 26 . Dado que os versos de Marcial são citados por Isidoro, o pesquisador levanta, como hipótese, que parte dos epigramas do poeta latino tenha chegado à península de forma indireta, por citações, inscrições ou fragmentos dos livros. As citações feitas por Isidoro são alusivas, como demonstra o pesquisador 27 :



Sunt hic plura sacra, sunt hic mundialia plura.
Ex his si qua placent carmina tolle, lege 28 .

Fonte:

Juan Gil, ao analisar o fragmento acima, identifica que está em dísticos elegíacos, e faz alusão aos epigramas I 17, VI 61 e II 29 de Marcial. Outros letrados citados por Gil foram São Eugênio e o arcebispo Julián de Toledo, epigramatistas que fazem alusão aos versos do poeta romano.

Vale destacar que a cultura letrada, no período, era circunscrita a pequenos espaços e grupos sociais, sendo os nobres e os membros do clero, as cortes e os monastérios medievais 29 . Juan Gil ressalta que, com a domínio árabe na Península, os poucos textos em língua latina não são mais copiados 30 : «La dominación árabe puso dramático fin a la cultura visigoda. Durante mucho tiempo, ni en la Hispania ni en al-Ándalus se escucharon las voces de los poetas clásicos latinos» 31 . O pesquisador afirma, ao analisar um manuscrito do período, que eram poucos os letrados latinos reconhecidos: «Um inventario de manuscritos nos da a conocer los libros que tenía um monastério, probablemente de Córdoba, en el 882: los únicos poetas paganos que se leen en este catálogo son Virgílio, Ovídio y Prudencio» 32 .

Até o século XIII, Marcial não será citado nos reinos da Península Ibérica. A partir daí, identificamos um processo de construção de várias narrativas fundadoras dos reinos, como as crônicas de Don Lucas e Don Rodrigo Jiménez de Rada. Tais narrativas, para o Juan Gil, foram motivadas por dois processos centrais: a centralização de poder dos reinos da Península e as guerras travadas entre os cristãos e os califados árabes, processo chamado modernamente de «reconquista». Nesse cenário político e social 33 , nota-se uma preocupação por parte dos letrados em registrar uma narrativa mítica da região, elencando feitos, sujeitos e lugares notáveis; nesse sentido, Marcial, ao lado de Sêneca e Lucano, serão resgatados e lidos como poetas hispânicos, modelos dos letrados da Península: «Así las cosas, la primera alusión a Marcial en nuestra historiografía, a lo que sé, es la que aparece en el De praesoniis Hispaniae del franciscano Juan Gil de Zamora (ca. 1240-1330)» 34 .

A partir dos escritos de Gil de Zamora, Marcial será figura recorrente nos catálogos de poetas e letrados ilustres dos reinos da península e, posteriormente, da Espanha. Juan Gil reconhece que os escritores e humanistas espanhóis, assim como os italianos dos séculos XV e XVI, buscaram criar uma narrativa de origem mítica da Espanha: o reino teria como origem a província da Hispania romana, agrupando seus poetas, letrados, oradores, políticos e militares ilustres. O pesquisador dá destaque à obra Compendiosa historia hispana, de Rodrigo Sánchez de Arévalo: nela, o letrado apresenta a narrativa de origem do reino, as características dos espanhóis e seus principais poetas.

Pablo Fernández Albaladejo nos lembra que, além do processo de unificação e construção do reino espanhol, encabeçado pelos reis de Castela e Aragão, a ascensão de Carlos V ao trono marca uma nova narrativa de origem do Estado: como sabemos, o monarca da casa de Habsburgo assume o trono da Espanha e o título de Imperador do Sacro Império Romano Germânico, organizando a coroa espanhola segundo um sistema de títulos, honrarias, organização política e militar semelhante à estrutura imperial. No campo das narrativas, como afirma Fernández Albaladejo, serão resgatados como origem desse império os godos: «La contradicción entre la unidad que esa monarquía presuponía y la concreta realidad plural de los reinos hispanos, fue salvada mediante el procedimento de remitir esa formación ideal a la época de los godos» 35 . Quando a narrativa de legitimação do império espanhol se consolida na Idade Média com os godos, parte dos letrados e religiosos propõe que a origem do reino data de séculos anteriores, no mundo pré-romano:

En la búsqueda de una identidad propria para los primitivos hispani, este obispo [Rodrigo Sánhez de Arévalo] realizó un decidido esfuerzo a fin de resaltar no ya la importancia de la historia goda, sino aun la de los tiempos prerromanos […] La «Monarquía de España» no era sino el primer paso para la inmediata realización de una «Monarquía del mundo desde España» 36 .

É evidente para nós, leitores modernos, que Marcial não se via como precursor de um reino que viria a nascer treze séculos depois de sua morte, muito menos que sua origem, a província da Hispaniaromana, determinava sua língua ou gêneros poéticos que praticava; ao contrário, como aponta William Fitzgerald 37 , o poeta latino via-se como habitante da urbs romana 38 , pertencente a uma classe social em ascensão e membro da corte do imperador Domiciano, a quem dedica diversos epigramas. Marcial poeta romano será apropriado e transformado em proto-espanhol, a partir da construção de uma origem mítica de um reino do qual o letrado, por ter nascido na região, fará parte. Apesar dessa apropriação, os livros de epigramas de Marcial serão escassos no reino até o final do século XVI: embora sua primeira impressão ocorrer, no continente europeu, em 1471 39 , em Sevilha, principal centro de documentação, cópia e impressão no reino 40 , teremos edições em 1525, com 25 exemplares; 1533, com mais exemplares; 1540, com mais três exemplares e somente a partir de 1574 e 1575 encontraremos um número substancioso de volumes de sua obra. Nas demais cidades com imprensa, como Valência e Salamanca, a situação repetia-se, com poucos exemplares impressos até o final do século XVI.

Conforme nos lembra Juan Gil 41 , apesar das poucas edições, vários letrados e humanistas espanhóis tomaram contato com os epigramas do poeta latino, seja por citação de outros poetas, por fragmentos dos livros ou por epigramas soltos em coletâneas ou outras obras. Poetas espanhóis, como Juan de Vergara, Álvar Gómez de Castro, Tomás Moro e Pedro Núñez Delgado compuseram livros de epigramas em língua latina, além de diversas traduções da Antologia Grega que passara a circular na Península 42 . De fato, quando Baltasar Gracián escreve suas preceptivas, na metade do século XVII, o epigrama já é um gênero consagrado e amplamente praticado pelos poetas; e Marcial, ao contrário dos séculos anteriores, é amplamente conhecido e tem seus livros publicados em língua latina e em tradução nos diversos territórios do Império Espanhol.

Uma vez difundidos, os epigramas passaram a ser comentados e organizados segundo os gêneros poéticos e retóricos. Aqui, vale uma observação no mínimo curiosa: ao contrário dos séculos XV e XVI, o epigrama antigo não foi matéria de uma arte poética específica, nem teve comentadores, como os livros de Marcial, por exemplo. Juan Gil reconhece que o gênero, na Espanha, no século XVI, já tinha sido matéria de tratadistas e preceptistas: «En efecto, la definición de epigrama que dio el maestro Pedro González de Sepúlveda al licenciado Cascales está tomada al pie de la letra de las Institutiones poeticae del jesuita Jacobo Pontano» 43 . Sagrario López Poza, ao debruçar-se sobre os tratados que versavam os gêneros poéticos nos séculos XVI e XVII na Espanha, reconhece que o epigrama tinha, como principais características: 1) a concisión y concentración expressiva 44 , dada a extensão e os efeitos suscitados 45 no leitor e ouvinte; 2) a agudeza y el ingenio 46 , matéria da próxima seção; 3) a perfección técnica 47 , visto que o epigrama deveria atingir sua finalidade poético-retórica em poucos versos; 4) a finalidad 48 , dado que o epigrama é escrito por um número amplo de letrados e poetas nos mais diversos contextos; 5) a materia artis, já que o epigrama pode ter um número amplo e variado de temas, seguindo os modelos da antiguidade clássica, como já pontuamos; 6) as modalidades epigramáticas 49 , como o epitáfio, o panegírico, o encômio; e, por fim, 7) sua condición elocutiva, tendo em vista, novamente, o fim esperado pelo poeta ao escrever determinado epigrama.

Assim como Juan Gil, López Poza identifica que o epigrama será amplamente praticado em território espanhol, principalmente nas escolas, universidades e na corte 50 ; a pesquisadora ressalta que a prática do epigrama será uma tarefa árdua, haja vista que os poetas adaptam os versos vulgares ao sistema métrico latino.

Se olharmos em perspectiva, Marcial, em poucos séculos, deixa o completo anonimato na península e se torna o «poeta espanhol», com diversas edições publicadas e imitadores na Espanha. Outro fator importante para a divulgação do gênero e da obra do poeta romano será, segundo Juan Gil, a adoção do epigrama na Ratio Studiorum, disposição curricular da Companhia de Jesus. Vale destacar que a ordem religiosa é criada após o Concílio de Trento —composto por reuniões promovidas pela Igreja Católica de Roma para combater o protestantismo no continente europeu— que dentre outras atribuições, será responsável pela educação, em seus diversos níveis, nas monarquias católicas e nos territórios por elas dominados, na América, África, Ásia e Oceania. Para João Adolfo Hansen 51 e Emílio Hidalgo-Serna 52 , os jesuítas reciclarão os preceitos da retórica e poética aristotélica, ao lado de tratados como os de Hermógenes, Dionísio de Halicarnasso, Cícero e Quintiliano. Dos autores latinos, a partir das impressões solicitadas pela coroa da Espanha, Juan Gil reconhece uma série de poetas e títulos, como «(fábulas, Catón, Bucólicas y Geórgicas de Virgilio, las Tristia . Ex Ponto de Ovidio, Miguel Verino), pero también los epigramatistas: en primer lugar, Marcial “purgado”, después los Emblemas de Alciato y Flores Poetarum» 53 .

4. Marcial agudo

Ao debruçarmo-nos sobre os dois tratados de Gracián, a Arte de ingenio, tratado de la agudeza (1642) e a Agudeza y arte de ingenio (1648), reconhecemos um alto número de citações de Marcial; além delas, temos uma série de epítetos atribuídos ao poeta latino, como o ‘primogênito da agudeza’, logo nos primeiros discursos. No discurso XXXXII 54 da preceptiva de 1642 e no LI de 1648 55 , por sua vez, o jesuíta espanhol inicia sua exposição pontuando a taxonomia dos engenhos, principalmente dos espanhóis:

En España siempre hubo libertad de ingenio, o por gravedad, o por cólera de la nación, que no por falta de inventiva. Sus dos primipilos, Séneca en lo juicioso y Marcial en lo agudo, fundaron esta opinión, acreditaron este gusto. Prudente aquel, nunca pudo sujetarse a los rigores de un Discurso, a la afetación de una traza; y si los émulos apodaron “arena sin cal” (menos mal dijeran, “granos de oro sin liga”) el raudal de su enseñanza, los apasionados lo aclamaron por gravedad española, opuesta en todo a los juguetes de la invención griega 56 .

Gracián inicia a exposição definindo os engenhos espanhóis, reconhecendo duas formas possíveis: o prudente Sêneca e o agudo Marcial. Em seguida, tece um longo comentário sobre o epigramatista romano:

Tributó nuestra Bílbilis a la gran emperatriz del orbe, no monstros como el África, sino al que lo fue de la agudeza y cultura. Entró Marcial en Roma, destinado a la oratoria, mas su estremada prontitud, no sufriendo pigüelas de encadenada elocuencia, se remontó libre en tantas puntas de agudeza cuantos se eternizan epigramas 57 .

No fragmento, Gracián reconhece a importância de Marcial por ter publicado seus epigramas em Roma, chamada pelo letrado de «grande imperatriz do orbe» 58 ; as obras do poeta romano não são particulares, mas coletivas da gente espanhola, dado que Gracián emprega o pronome «nossa Bílbílis», como se os livros do poeta latino pertencessem a ele e ao jesuíta; nesse sentido, podemos filiar o autor à tradição dos letrados e humanistas de considerarem Marcial como um escritor espanhol. Aqui, podemos inferir que o pronome empregado «nosso» dizia respeito à origem de Marcial: para Baltasar Gracián, Marcial era tão espanhol quando ele. Em seguida, o jesuíta afirma que Marcial entrou em Roma e se consagrou, por, além daoratória e da eloquência, seus epigramas e suas agudezas. É interessante pontuar a concepção de tempo proposta por Gracián: Marcial é, ao mesmo tempo, poeta romano e espanhol, de forma que a Espanha moderna, monárquica e contrarreformada, seria a continuação do Império Romano, como nos lembra Férnandez Albaladejo.

As palavras agudeza . epigrama são frequentes nas duas preceptivas de Gracián, e não é por acaso; Pablo Subías, num estudo sobre os tratados de Gracián, reconhece que o epigrama é o gênero mais comentado e citado na preceptiva, superando a poesia lírica e épica de poetas consagrados pela tradição espanhola; para o pesquisador, a estrutura do epigrama —a brevidade e a concisão— é ideal para a produção das agudezas: «El éxito del epigrama clásico estuvo en que, con su estructura abierta y con la trabazón de los dos versos del dístico, podían exponerse los temas más diversos» 59 .

O emprego do termo agudeza nas obras de Marcial levanta duas considerações iniciais: de um lado, o próprio termo não foi referido na antiguidade clássica, mas sim no século XVI; de outro, de fato, os epigramas do poeta latino possuem uma estrutura particular, já assinalada por Sullivan 60 , em que os versos finais suscitam os efeitos esperados. Robson Cesila assinala que o epigrama de Marcial é, em sua maioria, dividido em dois blocos:

há uma primeira parte —geralmente mais extensa— que apresenta o tema do poema [...] e uma segunda parte —mais curta e correspondente por vezes apenas ao último ou aos últimos versos do epigrama— que traz a frase picante, o dito mordaz, a conclusão inesperada, o comentário inteligente e espirituoso (os elementos, enfim, responsáveis pela graça e pelo humor do epigrama) 61 .

As agudezas foram teorizadas pela primeira vez na transição dos séculos XVI e XVII; segundo Jorge Ayala 62 , os preceptistas de que temos registro são Gracián, Emanuelle Tesauro, Sforza Pallavicino e Matteo Peregrini. Apesar dos distintos no-mes empregados pelos letrados, como nos lembra João Adolfo Hansen 63 , as agudezas são, em linhas gerais, metáforas que estabelecem relações entre termos que, numa primeira leitura, não possuem semelhança aparente entre si. Quando decifradas, revelam o engenho do poeta que as produziu e do ouvinte que reconheceu as semelhanças colocadas. Como sabemos, para Aristóteles a metáfora é a figura central da linguagem, dado que estabelece as relações entre as palavras e os objetos do mundo, uma vez que há uma dissimetria entre essas duas instâncias 64 . As agudezas, portanto, por serem metáforas, não se circunscrevem em um gênero poético ou retórico específico; ao contrário, todos os discursos, na perspectiva de Gracián, podem ser agudos, ou seja, terem agudezas, como nos lembra Saraiva: «Assim o discurso é apenas um tecido de agudezas, sucedam-se elas em cascata, ou se ordenem numa composição geométrica de discursos» 65 .

Para os letrados seiscentistas, não havia uma separação que para nós, leitores modernos, é comum: todas as artes compartilham homologias, e seguem preceitos da poética e da retórica. Lembro aqui dos versos da Arte Poética de Horácio: «ut pictura poesis est: erit quae, si proprius stes / te capiat magis, et quaedan, si longius abstes» como exemplo da doutrina antiga que estabelece, desde as primeiras preceptivas, as homologias entre as diversas artes, compreendidas pelos antigos como técnicas que operam segundo meios distintos.

Os rétores, como Gracián, retomam os tratados aristotélicos e os adequam aos preceitos da contrarreforma católica e da sociedade de corte; segundo Hansen, «a agudeza convém ao discurso civil: aristotelicamente, ela é astéia, termo traduzido por urbanitas, em Roma. No século XVII, ela define a civilidade ou o estilo próprio do cortesão» 66 . Como pontuamos anteriormente, a prática das agudezas se inscreve na sociedade de corte, em que sua produção e resolução revelam o domínio, por parte do letrado ou cortesão, das artes poéticas e retóricas. Vale aqui destacar que nessa sociedade, como nos mostrou Norbert Elias 67 , em luta constante pela aprovação do rei e pela participação em conselhos 68 e cerimônias, o domínio das técnicas artísticas conferia uma distinção ao nobre, sendo reconhecido entre seus pares e a coroa.

Logo, se as agudezas são metáforas e estão presentes em diversos gêneros poéticos e de discursos, por qual motivo Marcial ganha o epíteto de «primogênito» da agudeza por parte de Gracián? Para nós, de fato, a escolha de Marcial revela uma predileção dos letrados pelos epigramas, sendo o poeta romano seu maior representante.

Se observarmos a definição do epigrama proposta pelos letrados do período, veremos que uma das mais recorrentes é a de brevidade e a concisão; segundo a pesquisadora López Poza, para os letrados e preceptistas dos séculos XVI e XVII, o desafio do epigrama é conseguir, em poucos versos, suscitar os efeitos esperados pelo poeta. Os pequenos poemas, de origem rústica e simples na antiguidade clássica, foram lidos pelos letrados quinhentistas e seiscentistas como modelo para os demais gêneros líricos, como o soneto e as coplas castelhanas, segundo López Poza:

Podemos decir que un importante número de poetas españoles del Siglo de Oro demuestran estar al tanto de la preceptiva escrita en latín, intentan seguirla y asimilar al sistema poético español las peculiares marcas del epigrama, tanto sémicas como estructurales y métricas 69 .

No que diz respeito às agudezas, os preceptistas também escolheram o epigrama por conta de sua estrutura: a brevidade, a intensidade e o desfecho dos últimos versos seriam ideais para a produção das diversas espécies de metáforas agudas. Nesse sentido, Marcial é o «primogênito das agudezas» por ser, para Gracián, o poeta espanhol antigo e por ser o Epigramatista mais imitado da Espanha do século XVII.

5. Conclusão: marcial e os epigramas no século xvii espanhol

Voltemos então aos escritos de Roger Chartier. Quando nos propusemos a analisar a presença de Marcial na Espanha do século XVII, estabelecemos um caminho teórico: o reconhecimento do gênero antigo, o percurso dos livros do poeta romano e a recepção nos séculos XVI e XVII. Como pudemos demonstrar, o epigrama é um dos gêneros antigos que não tiveram sistematização por parte de comentadores e tratadistas na antiguidade e, dada sua estrutura e organização, tomou metros e estruturas de outros gêneros poéticos, como a poesia lírica e épica. No mundo romano, o epigrama já era um gênero que abarcava diversos temas, mas mantinha, de alguma forma, uma estrutura nuclear, como nos indicou Cesila. Após o fim de Roma, os livros de Marcial não foram encontrados na Península Ibérica mas alguns epigramas foram citados e referidos pelos letrados dos séculos VI-VIII. Nos séculos seguintes, numa tentativa de criar uma origem mítica para o recém-criado reino da Espanha, no século XV, letrados e humanistas reconheceram, na antiguidade clássica, uma hispanidade: os poetas, oradores, políticos, historiadores e figuras ilustres foram entendidos como espanhóis, apesar de o reino não existir no mundo antigo. Marcial, nesse sentido, fez parte do catálogo de poetas nacionais, sendo amplamente citado e imitado em todo o território espanhol.

No que diz respeito à preceptiva de Gracián, quando o jesuíta espanhol atribui o epíteto de «primogênito das agudezas» a Marcial, ele o faz por duas razões nucleares: 1) Gracián reconhece, de fato, que o primeiro grande empregador da figura da agudeza é o poeta romano, com seus epigramas, no século I d. C. Como sabemos, a agudeza é uma metáfora continuada, que propõe uma relação entre dois termos distintos; dadas suas principais características —a brevidade e intensidade— os epigramas serão reconhecidos pelos poetas e letrados como o melhor gênero para a exposição das figuras; 2) apesar de ter uma transmissão conturbada no continente europeu, Marcial será tomado como o principal epigramatista e modelo do gênero na Espanha dos séculos XVI e XVII; além disso, será reconhecido pelos letrados como, desde o final da Idade Média, poeta “espanhol”, por ter nascido na província da Hispania romana.

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Notas

1. Gracián, Agudeza y arte de ingenio, p. 85.

2. López Poza, 2013, p. 11.

3. Hansen, 2000. Ao caracterizar Marcial como o «primogênito da agudeza», Gracián reconhece nele o primeiro uso da figura. Num primeiro momento, poderíamos dizer que a agudeza é uma figura imutável, que nenhuma alteração sofreu nos quase dois séculos que separam os dois letrados, o romano e o espanhol. Entretanto, como aponta João Adolfo Hansen (2008), a agudeza é uma metáfora construída a partir de elementos distantes, a fim de evidenciar o engenho de quem a cria e decifra. A figura é fundamental para as práticas letradas, relacionando-se com a sociedade de corte europeia e com aspectos teológico-político-retóricos

4. Ao nos debruçarmos sobre as letras antigas, escritas antes do movimento romântico, devemos nos atentar à particularidades específicas dos respectivos períodos: no século XIX, após o movimento romântico, encontramos categorias como “sujeito”, “subjetividade”, “intenção” e “estética”, fundamentais para as artes; nos séculos anteriores, tais categorias não existiam e as artes eram organizadas segundo princípios retórico-poéticos e teológico-políticos, em que os artistas escreviam segundo gêneros, tendo em vista os fins de cada arte e organizando as representações segundo os modos, maneiras e tópicas específicas. Nesse sentido, Baltasar Gracián não emprega os epigramas de Marcial segundo uma “vontade”, mas sim por Marcial ser reconhecido como modelo de imitação no gênero.

5. Chartier, 1991.

6. Citroni, 2019.

7. No que diz respeito à poética antiga, identificamos duas formas possíveis para a disposição da taxonomia dos gêneros poéticos: de um lado temos os tratados específicos sobre o gênero, ou sobre a arte poética em geral, como a Epístola aos Pisões, de Horácio; de outro, temos os comentários dos próprios antigos sobre as obras, como os de Sérvio Honorário ao Canto VI da Eneida. No caso do epigrama, não dispomos, até o presente momento, de um tratado antigo sobre o gênero ou comentários extensos sobre os livros de epigramas, como os de Marcial, na antiguidade clássica. Nos séculos posteriores, por sua vez, o epigrama será amplamente praticado e teorizado, tendo uma série de tratados que prescreviam as regras do gênero, como apontam Juan Gil (2004), Susanna De Beer, Karl Enenkel e David Rjser (2009) e Marcos Ruiz Sánchez (1998).

8. Cesila, 2017.

9. Citroni, 2019.

10. Cesila, 2017, p. 18.

11. Citroni, 2019, p. 23.

12. Citroni, 2019, p. 23.

13. Citroni, 2019, p. 25.

14. Num estudo sobre Heródoto, West reconhece que o historiador emprega epigramas variados. Para ele, seu uso auxilia o historiador na composição de sua obra: «Apart from its significance in the history of scholarship Herodotusʼ use of inscriptions may be expected to throw some light on his methods and on his conception of his task» (1985, p. 278).

15. Cesila, 2017, p. 19.

16. Podemos dizer que o epigrama antigo, após o período helenístico, compartilha procedimentos e temas de outros gêneros, como a épica e a lírica. Robson Cesila pontua que, apesar de o dístico elegíaco ser o mais empregado, os epigramas poderiam ser escritos em outros metros: «Ademais, em Roma, Catulo e Marcial utilizaram, em considerável número de epigramas, o hendecassílabo falécio […] e o coliambo, também chamado de trímetro iâmbico escazonte» (2017, p. 31); no que diz respeito aos temas, o epigrama, segundo Cesila, «é caracterizado pela multiplicaidade de temas, e essa diversificação temática terá ocorrido quando de sua elevação a gênero poético» (p. 35).

17. Cesila, 2017, p. 20.

18. Num capítulo destinado às principais características do gênero, Robson Cesila (2017) afirma que a brevidade e a concisão serão as principais marcas constitutivas do gênero, entendendo-as como complementares: os epigramas são breves, dado que, apesar das alterações sofridas no período helenístico, ainda mantêm um elo ou ligação com sua origem; e, dada a extensão, os epigramas são intensos, visto que devem produzir o efeito no leitor ou ouvinte em poucos versos, se comparado a outras espécies poéticas, como a épica e o teatro. Segundo o pesquisador, «Quando o epigrama começa a ganhar em poeticidade e a se transformar em gênero literário, essa concisão é reinterpretada, ressignificada, enriquecida com novas nuances, sobretudo pelos poetas helenísticos, que tinham justamente na brevidade um de seus maiores valores estéticos» (2017, p. 24).

19. Mario Citroni (2019, p. 30) lista algumas epístolas em que o gênero do epigrama é mencionado por Plínio, o jovem: 4.3; 4.18; 4.23; 4.27; 8.21. Nelas, o letrado romano discorre sobre as definições do gênero, como nomeá-lo e seus modelos de imitação.

20. Plínio, o jovem; epístola 4.14.1-4: «[1] Tu fortasse orationem, ut soles, et flagitas et exspectas; at ego quasi ex aliqua peregrina delicataque merce lusus meos tibi prodo. [2] Accipies cum hac epistula hendecasyllabos nostros, quibus nos in vehiculo in balineo inter cenam oblectamus otium temporis. [3] His iocamur ludimus amamus dolemus querimur irascimur, describimus aliquid modo pressius modo elatius, atque ipsa varietate temptamus efficere, ut alia aliis quaedam fortasse omnibus placeant. [4] Ex quibus tamen si non nulla tibi petulantiora paulo videbuntur, erit eruditionis tuae cogitare summos illos et gravissimos viros qui talia scripserunt non modo lascivia rerum, sed ne verbis quidem nudis abstinuisse; quae nos refugimus, non quia severiores —unde enim?—, sed quia timidiores sumus».

21. Tradução de William Melmoth (1932).

22. Plínio, o jovem; epístola 4.14.9: «[9] Proinde, sive epigrammata sive idyllia sive eclogas sive, ut multi, poematia seu quod aliud vocare malueris, licebit voces; ego tantum hendecasyllabos praesto».

23. Citroni, 2019, p. 35.

24. Citroni, 2019, p. 35. Na leitura de Citroni, a brevidade e concisão do epigrama relacionam-se com o período das letras latinas, em que há um desenvolvimento da oratória e da retórica, principalmente a partir do século I a. C. Para o pesquisador, é em Marcial que reconhecemos os procedimentos retórico-poéticos: «It is all due to Martial’s prestige that an ingenious ending has often been considered an essential feature of the epigram, and that the term epigram in modern languages conveys above all the idea of a polemical and witty point» (2019, p. 35). Essa proposta de leitura de Marcial segundo os preceitos retórico-poéticos não é nova; ao contrário, segundo Sullivan (1989), desde o início dos séculos os estudiosos debruçam-se sobre o tema, ao lerem os epigramas do letrado latino.

25. Irvine e Thomson, 2009, p. 40.

26. Gil, 2004, p. 228.

27. Gil, 2004, p. 229.

28. Isidori Hispalensis versus, Turnhout, 2000; livro II, versos 1-2.

29. Apesar dos epítetos e leituras pejorativas feitas pelo período, os séculos que compreendem a Idade Média foram importantes para a manutenção das letras clássicas. Reynolds e Wilson (1995) afirmam que os monastérios medievais e as cortes dos senhores e dos reis eram espaços de cópia dos manuscritos e circulação de obras letradas.

30. Quando discutimos a situação da Península Ibérica na «Idade Média», temos de ter em vista que a região agrupou três culturas muito distintas: os árabes, os judeus e os cristãos. Apesar de não encontrarmos manuscritos e cópias dos poemas latinos durante o período da dominação árabe, nota-se, segundo Collins e Goodman (2002), o desenvolvimento de uma poesia em língua vulgar, intimamente relacionada à música, e a preservação dos manuscritos de filósofos gregos.

31. Gil, 2004, p. 231.

32. Gil, 2004, p. 232.

33. Datam, segundo Miguel Quesada, dos séculos XII e XIII as primeiras tentativas de compor a narrativa de origem dos reinos da península: «Había, y aquellos escritos lo demuestran, una concepción de España, ya desde los siglos XII-XIII» (2014, p. 23). Tal tentativa, para nós, pode ser entendida a partir do contexto em que os letrados escreviam: segundo Miguel Quesada, o século XV espanhol é marcado pelo conflito entre os católicos e os árabes, processo chamado pelos historiadores de «reconquista»; pela centralização do poder dos reinos de Castela e Aragão na corte e na figura dos monarcas; e pela união das coroas de Aragão e Castela, por meio do casamento, assinado em 1475, entre Fernando e Isabel. Para o pesquisador, «En suma, a finales del siglo XV, comenzaba solamente un largo y laborioso proceso para transformar a España en un Estado-nación» (2014, p. 25).

34. Gil, 2004, p. 233.

35. Albaladejo, 1993, p. 62.

36. Albaladejo, 1993, pp. 62-63.

37. Fitzgerald, 2007.

38. Não havia, em Marcial, uma noção de pertencimento ou de nação por conta de sua origem na Hispania; ao contrário, o que se nota nele é a descrição afetuosa e saudosista de sua cidade de origem.

39. Apesar de muito popular na antiguidade clássica, o epigrama sofreu com a ausência de teorizações e sistematizações; nos séculos que sucedem a queda de Roma, o gênero será praticado mas sem a devida referência. Segundo Daniel Russell, a palavra epigrama será registrada, pela primeira vez no continente, a partir do século XIV: «While the word ‘epigram’ entered the French language at the end of the fourteenth century, it remained rare until the sixteenth, and the earliest citations of the word in the Oxford English Dictionary all date from the sixteenth and seventeenth centuries» (1999, p. 278). Para o pesquisador, será no Renascimento que o gênero ganhará fôlego: «The modern epigram does seem in some respects to be truly an Invention of the Renaissance» (p. 278).

40. Eram três os principais centros de impressão da Espanha do século XV: Sevilha, Salamanca e Valência. As três cidades agrupavam um número substancioso de imprensas, de editores e escritores.

41. Gil, 2004, p. 248.

42. Juan Alcina (1995), a partir dos manuscritos encontrados em bibliotecas espanholas e da Real Academia, lista uma série de poetas que escreveram em língua latina.

43. Gil, 2004, p. 282.

44. López Poza, 2013, p. 13.

45. Por ‘efeitos’, compreendemos que todas as práticas letradas, da antiguidade até o século XIX, organizam- se a partir de noções retórico-poéticas. As duas artes fornecem técnicas de composição dos discursos, poéticos ou não, tendo em conta seus fins específicos: o deleite, o ensino e a persuasão.

46. López Poza, 2013, p. 13.

47. López Poza, 2013, p. 15.

48. López Poza, 2013, p. 15.

49. López Poza, 2013, p. 16.

50. Segundo Norbert Elias (2001), os principais locais de circulação das obras e dos textos são a corte, espaço onde a nobreza letrada atua, as universidades, em expansão no século XVI, e nos centros de ensino, como as escolas jesuítas na Europa e América.

51. Hansen, 2002.

52. Hidalgo-Serna, 1980.

53. Gil, 2004, pp. 280-281.

54. Apesar de não usual, a numeração do discurso segue a edição princeps, de 1642; na edição moderna, organizada por Emílio Blanco, há uma atualização da numeração: Discurso XLII.

55. Baltasar Gracián escreve duas preceptivas: a Arte de ingenio, tratado de la agudeza (1642) e a Agudeza y arte de ingenio (1648). Por mais que versem sobre a mesma matéria, agudezas, as duas versões apresentam algumas diferenças: segundo Pérez Lasheras (2001), Gracián altera a dedicatória da obra, de Baltasar Carlos de Áustria para D. António Ximénez de Urrea; a alteração na carta-prólogo ao leitor; a adição de exemplos, antigos e contemporâneos, para as espécies de agudezas; uma pequena alteração na ordem das taxonomias. Entretanto, como destaca o pesquisador, boa parte dos exemplos e das considerações, apesar das mudanças de seção e ‘lugar’ nos tratados, mantiveram-se, como no exemplo citado: as considerações sobre Marcial estão, no primeiro livro, no Discurso XXXXII e, no segundo, no Discurso LI.

56. Gracián, Arte de ingenio, tratado de la agudeza, p. 375.

57. Gracián, Arte de ingenio, tratado de la agudeza, pp. 375-376.

58. A representação da cidade de Roma antiga como caput mundi não é exclusiva de Gracián; segundo Labrot e Radetti (1997) será um epíteto comum nos séculos XVI e XVII.

59. Subías, 2009, p. 116.

60. Sullivan, 1989.

61. Cesila, 2018, p. 195.

62. Ayala, 2004.

63. Hansen, 2000.

64. A questão da linguagem e sua operação são tema de diversos tratados de Aristóteles. No Da interpretação (16a, 1-5), o pensador heleno elenca três instâncias no processo de significação: os objetos do mundo, os signos e as afeições da alma. Logo, temos no modelo dois «desvios» colocados: a relação entre os objetos e os signos, e os signos e as afeições da alma. O processo de significação, portanto, não segue uma relação direta entre os entes; ao contrário, como o próprio Aristóteles assinala nas Refutações Sofísticas (165a), o número de objetos do mundo é, a priori, infinito e o de palavras, finito. Nesse sistema, cabe ao homem precisar a palavra e o objeto, tendo em vista o fim do processo de significação; assim, a polissemia é uma característica natural da linguagem. Logo, a metáfora se torna central para Aristóteles, uma vez que ela é, de fato, nuclear no processo de significação, a partir do fim específico do que se representa: no caso da poesia, o mover, deleitar e ensinar e, no caso da retórica, a persuasão.

65. Saraiva, 1980, p.138.

66. Hansen, 2000, p. 319.

67. Elias, 2001.

68. Pablo Fernández Albaladejo (1993) nos mostra que era uma prática da monarquia espanhola a criação de diversos conselhos reais, destinados aos afazeres e questões de natureza política do reino; o monarca escolhia os conselheiros a partir de um grupo seleto de nobres, membros das casas antigas espanholas. Nesse sentido, o pesquisador nos lembra que a presença em um ou outro conselho denotava o reconhecimento do nobre e da família e sua força política na corte: «La existencia de una serie de consejos dentro de la monarquía de los reyes católicos no jugó ciertamente en contra del posterior establecimiento, en el último tércio del siglo XVI, de un verdadero régimen de organismos colegiados» (1993, p. 89).

69. López Poza, 2013, p. 29.

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